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Islândia: A crise levou o dinheiro, mas não a criatividade



O lixo diminuiu um quarto, em Reiquiavique. As prateleiras dos supermercados deixaram de ter tantos produtos importados. Algumas famílias começaram a cultivar quintais. E a tricotar camisolas. Os Range Rovers agora chamam-se game-overs. Consumir? "Isso é tão 2007..." Os bancos faliram, as famílias entraram em bancarrota, o Estado estremeceu. Veio o FMI, mas o sistema de proteção social não mudou. Democracia: é a receita dos islandeses para sair da kreppa, o nome islandês da crise. Os banqueiros vão ser julgados. O anterior primeiro-ministro vai ser acusado. A Constituição está a ser revista por cidadãos comuns. A pequena ilha nórdica quase foi ao fundo, mas está a reinventar-se.

O sorriso de menina de Salvör esconde-lhe a determinação. Veste uma saia acima do joelho, botas altas, um casaco rosa. Tem os olhos castanhos, uma raridade nesta confluência genética de íris claras e olhos rasgados. Filha de um ex-governador do Banco Central, é professora de Ética, diretora do departamento, na Universidade da Islândia. "Nunca me interessei por política", diz, a rir, no seu novo gabinete, que ocupa desde novembro de 2010.

Ela é uma das 25 pessoas "comuns", cidadãos dos 18 aos 91 anos, eleitos pelo povo para reescrever a Constituição do país. Foi a revolução que a levou para a política. É preciso entrar em bancarrota para que um país se dê conta da falta que faz uma professora de Ética.

Salvör, 48 anos ("quarenta e qualquer coisa... ai... sim, quarenta e oito"), foi apanhada pelo turbilhão. Os bancos faliram, o Governo não teve dinheiro para os salvar. Nacionalizou-os, mas não assumiu as maiores dívidas. Vieram as histórias de compadrio, corrupção, o buraco negro de milhares de milhões de euros, a súbita e inesperada fragilidade das pessoas. A pobreza, o desemprego. "Era preciso dar uma resposta", explica Salvör.

Dois meses depois da crise, desencadeada em outubro de 2008, e de a revolução se ter instalado nas ruas de Reiquiavique a capital, com milhares de islandeses dispostos a tudo para conseguir uma solução para os seus problemas, Salvör integrou a Comissão Especial de Inquérito que reconstituiu a história da kreppa islandesa, o mais extraordinário e abrupto crash da história económica do mundo, parafraseando o Prémio Nobel da especialidade, Paul Krugman.

Eram apenas seis, na Comissão. Três especialistas em Ética, dois advogados e um economista. E muito já diz esta composição... Salvör leu todos os documentos, vasculhou a incrível história de banqueiros como Jon Asgeir Johnnesson, o maior acionista do banco Giltnir, o primeiro gigante a falir. Um multimilionário que vivia do crédito do seu próprio banco (e de outros). Tinha um iate de luxo, um avião privado e dois apartamentos de 25 milhões de dólares, em Manhattan, Gramercy Park.

Em 2 400 páginas, a Comissão de Salvör contou todas as histórias. E a população não fez orelhas moucas. O relatório todo (investigado e escrito entre janeiro de 2009 e março de 2010) foi lido, por atores, no Teatro Municipal de Reiquiavique. A leitura era retransmitida pela rádio. Mas há um resumo possível, numa página: a "teia" de relações entre os banqueiros, os reguladores e os responsáveis políticos. Uma espécie de organograma da catástrofe, com linhas retas e ligações sinuosas. Foi essa a imagem que ficou, até porque três dias depois de ser conhecido, o relatório ficou submerso pela erupção do vulcão Eyjafjallajökull, em 21 de março de 2010. "Não lixem a Islândia. Podemos não ter dinheiro, mas temos fogo", diz uma das T-shirts expostas na livraria IDA, em Reiquiavique.

Foi naquela comissão que nasceu a mais surpreendente das ideias: "É preciso repensar a República, tornar a discussão sobre as responsabilidades do poder mais democrática. É preciso empenhar as pessoas", explica Salvör, com uma expressão terna, enquanto caminha por uma sala ampla, dividida em cubículos numerados de 1 a 25, o local onde se reúnem os representantes do povo mandatados para rever a Constituição, pela primeira vez, desde que a Islândia se tornou independente da Dinamarca, em 1944.

Há ali pescadores, agricultores, professores, funcionários públicos. Cidadãos, entre os 18 e os 91 anos, que se propuseram para reescrever a lei fundamental do país, depois da crise. Salvör faz parte dos 25. "Foi a primeira vez que me candidatei a qualquer coisa", diz, a rir. Concorreram 552 islandeses. "Era uma experiência. Ninguém sabia como fazer... Os candidatos não sabiam como apresentar o seu programa. Os media não sabiam como proceder, não podiam dar espaço a mais de 500 candidaturas..." Resultado: "Usei o Facebook. Mandei mails a todos os meus contactos. Fui construindo uma rede", recorda. No dia 27 de novembro do ano passado, Salvör foi escolhida, numa eleição nacional inédita. E, na primeira reunião dos 25, elegeram-na para presidir aos trabalhos. Tem agora pouco mais de dois meses para escrever a nova Constituição islandesa, que terá de ser sufragada pelo atual Parlamento, e pelo próximo que resultar das futuras eleições legislativas (uma salvaguarda que pretende tornar a lei mais importante da Islândia imune às conjunturas políticas).
Acusar os responsáveis

Está a nevar, mas os rapazes caminham pela rua de T-shirt, e as raparigas de minissaia. O vento faz os farrapos de gelo rodopiar pelo ar, mas, ao longo da estada, no meio de quilómetros de desoladores campos de lava, há fumarolas e vapor de água fervente a subir em colunas direitas. A paradoxal Islândia não se deitou no divã do psicanalista depois do colapso financeiro. A kreppa não é o fim. Pode ser, até, um recomeço.

Embora seja a casa que Bryndis e Johannes queriam, a sala está despida de luxos. Despojada. Paredes brancas, quatro fotografias pequenas penduradas, dois sofás, um cadeirão e uma mesa que enchem de pequenos pães redondos, acabados de cozer, manteiga, café. "Desde que não piore, acho que aguentamos", diz a terapeuta da fala, de 37 anos, enquanto adormece o filho, Eysteinn, de 2 anos, no colo. O mais novo dos três filhos do casal nasceu depois do crash. E já não conheceu "o País mais feliz do mundo" (segundo o ranking do jornal inglês The Guardian) em que os irmãos, Gudmundur e Sigtryggur, de 12 e 4 anos, tiveram a sorte de nascer. Eysteinn é alérgico a derivados do leite e, também, ao mais comum dos substitutos lácteos, a soja. Agora, no supermercado, faltam os gelados, o leite e a manteiga que tolera comer. As importações caíram, dizem as estatísticas.

O marido de Bryndis, Johannes, 38 anos, é professor de Linguística, especialista em sagas medievais islandesas - um género literário que perpetua os feitos sanguinários dos primeiros colonizadores desta ilha do Atlântico Norte, a meio caminho entre a Europa e a América, encostada ao Ártico. "Antes, quando éramos mais jovens, esperávamos que o nosso tempo chegasse. Que a prosperidade viesse. Agora não...", diz, com os cotovelos apoiados nos joelhos, mãos na cara. Mas não é assim que acaba uma saga. A desilusão não parece paralisar a "geração parva" da Islândia.

Johannes saiu à rua, no frio inverno de 2008, de frigideira na mão, como milhares de outros islandeses. Fez parte da revolução. Exigiu transparência, democracia, soluções para os seus problemas. E vá algum português atrever-se a explicar a um islandês que "tristezas não pagam dívidas"...

Salvör Nordal, 48 anos, deve ter-se cruzado com Johannes, na praça Austurvöllur, a praça da revolução, fronteira ao edifício novecentista do Parlamento, o Althingi (o primeiro edifício islandês a ser construído com casa de banho). Os islandeses reencontraram-se ali, com o seu destino. O país que liderava o Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, de repente, via-se num espelho deformado. Caminhando sobre o gelo frio e quebradiço. Como qualquer Argentina ou Zimbabué, endividado até ao fundo dos bolsos.

De um momento para o outro, os islandeses foram à procura dos culpados, apontaram o dedo. Mas também procuraram soluções. Houve quem inventasse um "Ministério das Ideias". E houve, também, uma reunião inédita da Thjodfondur, uma espécie de assembleia geral do povo, com mil representantes que debateram os "valores" que queriam para um novo país sair da crise.

Da comissão de inquérito saíram duas investigações. Uma judicial, aos banqueiros, que procura responsabilidades criminais. Foi a magistrada francesa, Eva Joly, que montou as bases da Procuradoria-Especial para os Crimes da Banca, liderada pelo islandês Olafur Thor Hauksson, que já deteve para interrogatório e mandou arrestar bens dos principais banqueiros que dominavam o sistema financeiro do país, antes do colapso.

Dali saiu, também, e pela primeira vez na História da Islândia, uma investigação especial à responsabilidade política. O Supremo Tribunal islandês, constituído por peritos em leis e políticos nomeados pelo Parlamento, vai reunir-se em breve para julgar o ex-primeiro-ministro Geir Haarde, acusado de incompetência e má gestão. Um terço dos funcionários da agência estatal de regulação passaram a trabalhar para os bancos que deviam fiscalizar. O Governo promoveu, até à véspera da falência, os feitos dos "novos vikings" (o cognome dos banqueiros). O Estado falhou.
'Deus abençoe a Islândia'

Os Range Rovers estão a envelhecer. Os velhos edifícios de madeira, cobertos com chapas de zinco coloridas, vão manter-se no seu lugar. Não hão de nascer arranha-céus envidraçados nos quarteirões mais característicos de Laugavegur, a avenida central de Reiquiavique, como desejavam os banqueiros. Em vez de lojas Armani, abrem apenas modestos estabelecimentos como o da Associação de Tricotadeiras da Islândia ou lojas de roupa em segunda-mão.

E os todo-o-terreno que luziam de novos estão a caminho de integrar o parque automóvel mais velho da Europa. Chamam-lhes, agora, os "game-overs". Ainda são muitos, mas já não representam a maior concentração do mundo por habitante, como até há dois anos. Rolam, matraqueando os pregos que trazem incrustados nos pneus, pela neve de Laugavegur, no passeio quotidiano de fim de semana. Thetla reddast! "No final, tudo vai correr bem."

Bryndis não repete esta crença islandesa nos amanhãs que cantam. O melhor que lhe sai, enquanto atrás de si, do lado de fora da janela da sua sala branca, a neve cai sem parar, é "a vida continua". Foi aqui, nesta sala, acabada de comprar, no outono de 2008, que percebeu. "Tudo colapsou..." Estava a pintar as paredes de branco, com Johannes, o seu marido, e tinha o rádio ligado. No início, tudo corria bem.

O número 4 da rua Gladheimar, uma vivenda geminada de dois pisos, materializava um sonho antigo. Uma sala grande, espaço para os livros de Johannes, quartos para os filhos, Gudmundur e Sigtryggur (Eysteinn haveria de nascer, em 2009). A casa velha tinha apenas 68 m2, e ainda rendeu um lucro de 37 mil euros. Mas o rádio, naquele 8 de outubro de 2008, tinha más notícias para Bryndis e Johannes, enquanto pintavam a sala.

O primeiro-ministro Geir Haarde, líder do Partido da Independência, conservador de direita, que ganhou todas as eleições legislativas na Islândia desde 1946, está a discursar em direto. No final, diz uma frase que deixa Bryndis, Johannes e o país inteiro de olhar parado, em suspenso: "Deus abençoe a Islândia." De lá para cá, o casal concentra-se em "não permitir que a situação afete as crianças". Deixaram de ir comer fora, "cinema só uma ou duas vezes por ano". Alugaram um quintal, onde cultivam "saladas, cenouras, batatas". Para pouparem no supermercado, sim, mas também para "passar às crianças o valor da terra".

A frase de Haarde deixou os islandeses perplexos. Einar Mar Gundmundsson está em Copenhaga a falar sobre a sua obra literária e recebe a mensagem. "Deus abençoe a Islândia." Mete-se num avião para Reiquiavique, no dia seguinte. Thór Saari está no seu gabinete da OCDE, na Universidade de Reiquiavique, e vê a expressão preocupada de Haarde, na televisão. Diz: "O homem parece fora de si... Que discurso é este?" Raghneidur está grávida, sentada no sofá da sua sala, em repouso, e liga para o marido Ólafur. "O que é isto? O que se passa?" Lilja Mosesdóttir veio para Reiquiavique, a macrocéfala capital, que concentra quase metade da população, com um doutoramento em Regulação Financeira e a promessa de um contrato na Universidade da Islândia. Aos 48 anos, esta economista deixou a sua carreira universitária no Norte do país para ouvir, incrédula, a funcionária da Universidade dizer-lhe que o contrato não será assinado. Não há dinheiro.
De manifestante a deputada

Os bancos faliram. Foi como se uma praga do Velho Testamento atingisse a economia islandesa: o Giltnir, o Kaupthing e o Landsabanki, juntos, valiam dez vezes o Produto Interno Bruto do país. Como peças alinhadas de um dominó, as casas desvalorizaram-se, em média 30% (a de Johannes e Bryndis perdeu 31 mil euros do seu valor, em três dias), ao mesmo tempo que os empréstimos subiam (20%, no mínimo). A inflação aumentou e arrastou os empréstimos bancários para máximos históricos, que se manterão para sempre, a menos que uma vaga de deflação, muito improvável, corrija a subida. O Governo desvalorizou a coroa islandesa para absorver o impacto, mas isso não ajudou nada a vida de quem tinha empréstimos em moeda estrangeira (ienes, euros, dólares ou francos suíços). Os preços subiram. Os salários perderam valor. Quase metade das empresas faliu. E o contrato de Lilja foi-se, no turbilhão. A professora universitária passou a integrar a mais inconcebível das novas estatísticas islandeses: 9% de desempregados, num país que sempre vivera em pleno emprego.

Johannes fez como Lilja, Thór, Einar Már e milhares de outros. Pegou numa frigideira da sua cozinha nova e veio para a rua. Bater em tachos e panelas foi a forma que os islandeses encontraram para protestar contra esta espécie de apocalipse que lhes trouxe o destino. O destino e um grupo pequeno de banqueiros e políticos.

Hoje, dois anos e meio depois da "revolução das frigideiras", Lilja recebe-nos à porta do Althingi, o Parlamento islandês. É deputada.

Não há detetores de metais nem polícia. O funcionário trata a deputada pelo seu primeiro nome. E Lilja mostra-nos como viu, do lado de fora, o que agora vê por dentro. Durante as manifestações, os deputados hesitavam em cruzar o passadiço de vidro que liga o velho edifício ao novo anexo onde se situam os gabinetes. "Houve quem atirasse pedras, mas os vidros são à prova de bala..." Com uma voz pausada e suave, Lilja Mosesdóttir conta como passou de manifestante a eleita do povo: "A economia colapsou em três dias. As pessoas tornaram-se ativas. Muito ativas... Deixei as minhas pesquisas académicas e fui ler tudo o que havia sobre políticas de reação à crise." Na pequena sala de sessões do Althingi, as paredes são verdes e azuis. As cadeiras estão tão juntas que nenhum deputado se pode levantar, sem pedir licença ao colega do lado. Sentam-se aqui 63 eleitos, uma representação à medida deste país de 320 mil habitantes. Os lugares são rotativos. Os partidos não mandam na distribuição das cadeiras. Cada lugar é sorteado, anualmente, o que faz com que Lilja, que começou por integrar a bancada dos Verdes de Esquerda, e agora é independente, possa ter como vizinhos deputados da Aliança Social-Democrata, ou do Partido da Independência, ou do Partido do Progresso (ruralista, de direita), ou do Movimento, a nova formação que emergiu dos protestos de 2008.
Humor na 'fortaleza de marfim'

Thór Saari é o presidente do Movimento. Mas esse também é um cargo que roda, todos os anos. O Movimento é, aliás, um partido com os dias contados, explica Saari: "Temos um programa de três pontos: aprofundar a democracia; resolver o problema das famílias endividadas; e acabar com o desemprego. Ao fim de dois mandatos, se conseguirmos cumprir o nosso programa, acabamos. Se não conseguirmos, acabamos também", ri-se Thór que, tal como Lilja, é economista, especialista em dívida, e trocou as sebentas pela política, no calor da revolução de 2008. Trabalhava para a OCDE, em Reiquiavique, e já tinha sido quadro do Banco Central islandês e do Instituto de Gestão da Dívida. Encontrou-se com a rua. "Conhecemo-nos todos aqui", conta Thór Saari. "Passámos aqui seis dias e seis noites, sem sair, até que o Governo se demitiu. Uma revolução pacífica, na rua, no inverno, na Islândia... Ninguém pensava que fosse possível. Mas foi." Entre o dia 8 de outubro (quando Bryndis pintava a sua sala e o primeiro-ministro disse "Deus abençoe a Islândia") e o dia 6 de janeiro de 2009, data em que Haarde se demitiu e convocou novas eleições, a praça Austurvöllur foi o verdadeiro Parlamento. Primeiro, surgiram as frigideiras e o protesto sem programa, o choque puro e simples. Depois, fez-se um cordão humano, mais simbólico que ameaçador, à volta do Althingi, para impedir os deputados de entrar. A seguir, houve quem hasteasse uma bandeira da cadeira de supermercados Bónus (um porquinho sorridente) no mastro da bandeira nacional - porque essa cadeia pertence ao principal vilão islandês do momento, Jon Asgeir Jhanesson, o tal milionário a crédito. À medida que se iam conhecendo os contornos da falência dos bancos, e da promiscuidade entre a alta finança e a política, houve quem passasse à ação direta: o carro do primeiro-ministro foi apedrejado, os banqueiros foram atingidos com ovos, as suas casas foram pintadas de vermelho.

Thór chegou ao Parlamento, "a fortaleza de marfim", como lhe chama, no dia 25 de abril de 2009, e, com ele, uma maioria de esquerda, uma coligação entre social-democratas e Verdes de Esquerda. O Governo é liderado por Jóhanna Sigurdardóttir, social-democrata de 68 anos, lésbica. A aliança que apoia o Governo é frágil, e acaba de resistir, por apenas dois votos, a uma moção de censura, no Parlamento. Thór Saari e Lilja Mosesdóttir votaram para que o Governo caísse.

No Althingi senta-se, também, o antigo responsável ministerial pela banca. "Arrasta-se pelas paredes, calado. É um tipo simpático, mas, depois do que aconteceu, não pode voltar a ser um político digno de confiança", observa Saari.

O Movimento diz-se "acima do espetro", nem de esquerda nem de direita. E Thór garante que não é só isso que o separa dos políticos tradicionais. "Quando vim para aqui, estava a preparar um doutoramento em Filosofia. E reparo, todos os dias, que os políticos não pensam em termos de certo ou errado. Pensam na dicotomia possível versus impossível. Nós não somos políticos." A política islandesa foi tomada por não-políticos. Jon Gnárr, por exemplo, era um punk-rocker e comediante, famoso pelas suas rábulas na televisão. Quando fundou o Melhor Partido (um nome que deve render bons direitos de autor), ninguém o levou a sério. Quando ganhou, com 34% dos votos, a Câmara de Reiquiavique, ninguém pensou que se mantivesse lá por muito tempo. Quando desfilou, vestido de Rainha de Inglaterra, na parada gay de 2010, muitos acharam que estava acabado. E quando, na semana passada, se recusou a receber o comandante de uma embarcação militar alemã, e declinou a autorização para que o navio (que transportava um helicóptero de busca e salvamento que seria emprestado à Islândia) lançasse âncora no porto principal da capital islandesa, os esgares multiplicaram-se. Gnárr é um "anarco-situacionista" que faz política a rir, no meio do "teatro do absurdo" que, nas suas palavras, é a política do país.
Lápis contados

Absurdo. A megaloja de materiais de construção Bauhaus está pronta há dois anos, ali a dois passos de Reiquiavique, mas nunca chegou a abrir. Na principal autoestrada que sai para o Norte, Fellshlid Mosfellssdeit era o sítio onde as pessoas soltavam os cães para um passeio pelos campos. Vieram os bancos e as construtoras e nasceram os arruamentos. O alcatrão negro está impecável. As rotundas distribuem as ruas. Mas não há destino. Só alcatrão e rotundas e postes de eletricidade. Os lotes de terreno ladeiam esta cidade sem casas. Uma grua ficou ali, esquecida, entre as placas da Remax com o "vende-se" agora menos apelativo do negócio imobiliário.

"O setor da construção foi dizimado, em 2008", explica Thorolfur Mathíasson, diretor do departamento de Economia da Universidade de Reiquiavique, no seu gabinete, onde há um quadro cheio de rabiscos com gráficos de curvas acentuadas. Ao contrário da construção, as pescas e a energia estão a trazer para cima os indicadores da Islândia.

A atividade vulcânica é aproveitada para fornecer água quente a todas as casas (a água fria nem sequer tem contador doméstico). E, também, para fazer funcionar as gigantescas fundições de alumínio, exploradas por multinacionais americanas, que rivalizam com a pesca, no topo das exportações islandesas.

Energia foi aquilo que o assunto Icesave retirou, na opinião de Mathíasson, ao país para sair, ainda mais depressa, da crise. O caso arrasta-se, depois de, por duas vezes, em referendo, os islandeses terem recusado o acordo estabelecido entre o seu Governo e a Inglaterra e a Holanda. O Icesave era uma filial online do Landsbanki, que faliu, em outubro de 2008. Cerca de 400 mil depositantes britânicos e holandeses ficaram com o seu dinheiro congelado (cerca de 5 mil milhões de euros, no total). O Reino Unido aplicou a sua Lei Antiterrorista para forçar a Islândia a pagar. E, como não teve êxito, resolveu adiantar o dinheiro (como o Governo de Haia) do seu próprio orçamento, enviando a fatura para Reiquiavique. O Governo islandês procurou negociar um pagamento faseado. Mas o Presidente da República (ver entrevista) não assinou o acordo, levando o assunto a referendo. A população rejeitou aquela solução.

Como consequência, a Islândia não pode pedir dinheiro emprestado nos "mercados". Tem de viver com empréstimos bilaterais (China, Polónia) e com o empréstimo do FMI, negociado em 2008.

O principal negociador do FMI na Islândia foi o mesmíssimo Poul Thomsen, o dinamarquês de olhos azuis que aterrou em Lisboa há poucas semanas. Lilja Mosesdóttir reuniu-se com ele e considera-o "muito bem preparado" e até "permeável às reivindicações do povo". Na Islândia foi assim... "Em Portugal, também pode ser, se as pessoas lutarem pelo que querem", aconselha Lilja.

Mathíasson também considera "justa" a abordagem do FMI. "Impuseram uma redução do défice, mas não estabeleceram condições para os cortes. Isso acontece, talvez, porque o FMI não tem de convencer o eleitorado, como tem a chanceler alemã, Ângela Merkel..." Na Islândia, os cortes orçamentais preservaram o sistema de proteção social. No hospital de Bryndis, agora, há que "pensar duas vezes antes de fazer uma fotocópia". Os lápis estão contados, sim. Fecharam serviços públicos (hospitais e escolas), mas não houve cortes nos apoios sociais, nem privatizações. Pelo contrário, o welfare islandês foi elogiado pelo FMI, e até cresceu, nestes últimos anos (ver caixa). Há pressões para privatizar as empresas energéticas, mas o Governo opõe-se e, garante Sälvor Nordal, a futura Constituição vai defender que a propriedade dos setores essenciais (como a energia) seja pública.

Mesmo assim, o país está a crescer economicamente. "Há uma resiliência silenciosa da economia", explica Mathíasson.
Portugueses e islandeses: as diferenças

Talvez esta "resiliência silenciosa" esteja nos genes do povo, também.

Paulo Cardoso vive em Reiquiavique desde 1997. É um dos pouco mais de 600 portugueses registados na Islândia (já foram cerca de mil). Foi estudar. Apaixonou-se por uma islandesa. Casaram. É especialista em sistemas informáticos para a banca, mas continua a frequentar pós-graduações e mestrados (Relações Internacionais, Gestão). Compara, assim, os dois povos que tão bem conhece: "A população, aqui, é muito ativa. Os portugueses toleram muito... Aqui, não há tanta tolerância como em Portugal." Esta impressão faz sentido aos olhos de uma islandesa com o trajeto de vida inverso ao de Paulo. Gudlaug Run Margeirsdóttir estudou em Portugal, licenciou-se em Literatura, em Coimbra. Apaixonou-se por um português. Casaram. Só regressou, de vez, a Reiquiavique em 2007. E vê assim as diferenças entres estes dois pequenos povos, com um acentuado "complexo de inferioridade": "Os islandeses são menos complacentes. No dia a dia, os portugueses são mais críticos. Os islandeses são mais reservados. Em Portugal, pode dizer-se que 'isto é uma porcaria' e continuar a gostar de viver assim. Parece que os portugueses têm medo de ser um pouco mais agressivos. Às vezes, pergunto-me por que os portugueses não agem mais em vez de falarem tanto..." Gudlaug é tradutora literária. Traduziu para português o Nobel islandês, Halldór Laxness, autor do romance Gente Independente, que caricatura a obstinação e o tradicionalismo rural dos islandeses. Traduziu, também, o mais celebrado dos autores contemporâneos, Einar Mar Gudmundsson.

Einar vive nos arredores de Reiquiavique, numa vivenda a meia encosta de uma montanha. Tem um anexo, de madeira, ao lado da casa, onde trabalha. As paredes estão forradas com lombadas. Há livros numa mesa enorme de madeira. Há originais datilografados pelo chão. E um Saramago traduzido para islandês numa das prateleiras altas. "Jantámos juntos, uma vez", recorda Einar, enquanto nos serve café por um termo.

Einar fez quatro discursos, no improvisado palanque da praça da revolução. Sempre que falava, lia. Na primeira vez, estava a seu lado o dirigente sindical dos eletricistas, Gudmundur Gunnarsson, pai da cantora Björk. Entrou, a fundo, na revolução. Integrou comités de debate. Reuniu-se com especialistas. Foi um dos rostos da organização dos protestos. E continuou a escrever. O seu Livro Branco, entre o ensaio e a ficção, é o primeiro relato da crise. E foi formando convicções. "Isto não é uma questão judicial, é uma questão moral. Não tenho qualquer esperança nos inquéritos aos banqueiros ou ao primeiro-ministro." Viu "felicidade" nas pessoas que consigo discutiam. E novos valores: "O consumismo deixou de ser o mais importante. Agora, por toda a cidade, há gente que não se conhecia e que partilha ideias e projetos."

O lixo diminuiu um quarto, em Reiquiavique. Mas aumentaram as doenças relacionadas com o stresse: ataques cardíacos, AVC. Os doentes afásicos de Bryndis não podem ser sujeitos a qualquer tipo de conversa sobre bancos e política, porque "isso torna a terapia mais difícil, se existe stresse".

Mas há coisas que nunca mudam. O cartão de crédito é indispensável em qualquer bolso de islandês. Paga-se a crédito a cerveja que se bebe na discoteca, o táxi, o restaurante, o supermercado. Isso é "tão 2007", diz a expressão crítica, inventada para afastar os fantasmas do passado.

"Aprendemos devagar", ri-se Ragnheidur Birna Bjornsdóttir, 36 anos, especialista informática da Segurança Social. Na sua casa, a crise não foi sentida como na maioria dos lares islandeses. Ólafur, o marido, de 46 anos, gestor, explica porquê: "Sempre soube que os bancos não são nossos amigos. Estão a tentar fazer negócio. Não posso confiar cegamente neles." Quando os bancos faliram, o casal amortizou a hipoteca e pôde seguir com a vida em frente. Mesmo que a sua expressão se carregue, ao falar da corrupção endógena "nesta pequena sociedade em que toda a gente se conhece", Ólafur mantém o humor. E Ragnheidur cita a frase que dá alento, mesmo que o frio gele os ossos e a dívida se avolume, thetta reddast, "no fim, tudo vai correr bem".

Afinal, riem-se, à mesa da sua sala, nos arredores da capital, "talvez ainda sejamos a nação mais feliz do mundo..."

in Revista Visão, Paulo Pena

TEDxTaxi

Blogues & Companhia

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Porque a democracia é mais importante para a nossa sociedade que os mercados.

'Podemos dizer que esta foi uma crise financeira. Mas também podemos dizer que foi, fundamentalmente, uma crise democrática. Quando decidi colocar a questão em referendo, disse que ao olhar para todas as análises fiquei, no fim, com uma escolha: entre as exigências dos mercados financeiros, por um lado, e a democracia, por outro, eu tenho de escolher a democracia. Porque a democracia é muito mais fundamental para a nossa sociedade do que os mercados.'

Presidente Islandês Ólafur Ragnar Grímsson, PhD em ciência Política, em entrevista para a Revista Visão (28 Abril 2011)

Innovation Competency Model

To build innovation muscle, companies must include innovation in their competency models. A competency is a persistent pattern of behavior resulting from a cluster of knowledge, skills, abilities, and motivations. Competency models formalize that behavior and make it persistent. They prescribe the ideal patterns needed for exceptional performance. They help diagnose and evaluate employee performance. It takes a lot of work to develop one, but it's worth it.

Here is a nice example of an innovation competency modeled developed at Central Michigan University through a collaboration of authors. It could be customized to address the specific needs of a company or industry.

Core Competencies of Innovation

Creativity

* Generating Ideas: Coming up with a variety of approaches to problem solving.
* Critical Thinking: Logically identifying how different possible approaches are strong and weak, and analyzing these judgments.
* Synthesis/Reorganization: Finding a better way to approach problems through synthesizing and reorganizing the information.
* Creative Problem Solving: Using novel ideas to solve problems as a leader.

Enterprising

* Identifying Problem: Pinpointing the actual nature and cause of problems and the dynamics that underlie them.
* Seeking Improvement: Constantly looking for ways that one can improve one’s organization.
* Gathering Information: Identifying useful sources of information and gathering and utilizing only that information which is essential.
* Independent Thinking: Thinking ‘outside the box’ even if this sometimes may go against popular opinion.
* Technological Savvy: Understanding and utilizing technology to improve work processes.

Integrating Perspectives

* Openness to Ideas: A willingness to listen to suggestions from others and to try new ideas.
* Research Orientation: Observing the behavior of others, reading extensively, and keeping your mind open to ideas and solutions from others. Reading and talking to people in related fields to discover innovations or current trends in the field.
* Collaborating: Working with others and seeking the opinions of others to reach a creative solution.
* Engaging in Non-Work Related Interests: Being well-rounded and seeking information from other fields and areas of life to find novel approaches to situations.

Forecasting

* Perceiving Systems: Acknowledging important changes that occur in a system or predicting accurately when they might occur.
* Evaluating Long-Term Consequences: Concluding what a change in systems will result in long-term
* Visioning: Developing an image of an ideal working state of an organization.
* Managing the Future: Evaluating future directions and risks based on current and future strengths, weaknesses, opportunities and threats.

Managing Change

* Sensitivity to Situations: Assessing situational forces that are promoting and inhibiting an idea for change.
* Challenging the Status Quo: Willingness to act against the way things have traditionally been done when tradition impedes performance improvements.
* Intelligent Risk-Taking: Being willing and able to take calculated risks when necessary.
* Reinforcing Change: Encouraging subordinates to come up with innovative solutions. Recognizing and rewarding those who take initiative and act in a creative manner. Facilitating the institutionalization of change initiatives.

in Innovation in Pratice

Hard Skills + Soft Skills = Job

O desemprego está a crescer na faixa etária mais produtiva: dos 15 aos 30 anos.

É nesse periodo que somos capazes de ser genuinamente criativos e com isso, criar modelos disruptivos de negócio.

É simples a formula de sucesso em que tropecei, e serve de título a este post: A conjugação da formação formal com a experiência de vida, mesmo que ainda curta, permite compreender o equilibrio entre a vocação e a competência.

Não devemos ter receio em associar a nossa experiência rural ou no acompanhamento de colónias de férias com uma licenciatura em gestão ou em engenharia química. É nessa conjugação que encontramos o caminho!

in infoex.pt 18 DEZ 2010


6 escritórios verdadeiramente ecológicos



Nem sempre é fácil manter a concentração durante oito horas de trabalho. A posição sentada prolongada, a falta de ar puro e o stress do trabalho contínuo são factores que precipitam a chegada do cansaço. No entanto, há sítios que, segundo o site Inhabitat, o podem ajudar a sentir-se inspirado quando está a trabalhar e que em nada descuram as preocupações com o ambiente.

O site Inhabitat seleccionou os seis escritórios verdadeiramente ecológicos de todo o mundo, que ultrapassam a barreira das quatro paredes e privilegiam o contacto com a natureza. Aqui, a concentração pode atingir níveis elevados.

Do escritório “empoleirado” no cimo de uma colina e rodeado de árvores, onde a vista não poupa a elogios, até a um espaço pré-fabricado modular construído com materiais reciclados, há opções para todos os gostos.

1. Edifício verde por dentro e por fora

O edifício da Infrax, fornecedor de serviços de utilidade pública (electricidade e gás natural, por exemplo), na Bélgica, foi construído especificamente para reduzir o consumo de energia e melhorar consideravelmente o conforto dos funcionários. Para tal, combina a tecnologia com o design, de forma aprimorada. A obra, com a assinatura da Crepain-Binst Architecture, já recebeu várias distinções que lhe valeram reconhecimento a nível mundial.

2. Um escritório mesmo à porta de casa

Criado especialmente para o crescente número de teletrabalhadores ou para quem não necessita de ocupar um posto de trabalho cinco dias por semana, o OfficePod afirma-se como um dos conceitos mais inovadores no campo do ambiente de trabalho.

Desenvolvido pelo atelier britânico Tatle + Hindle, o escritório caracteriza-se por oferecer um ambiente de trabalho produtivo e agradável, mas também por ser um espaço ecológico e económico. Idealizado para ser colocado no jardim, o OfficePod conjuga tudo o que é preciso para trabalhar, visando reduzir o tempo das deslocações casa-trabalho, aumentar a flexibilidade e tempo disponível, reduzir a emissão poluentes e aproveitar racionalmente o espaço urbano.

3. Num patamar acima da ecologia

Se pretende dar à sua empresa uma nova dimensão sem esquecer a vertente sustentável do espaço, construir um escritório sobre palafita (construção sobre estacas) pode ser a solução. Foi precisamente o que fizeram os arquitectos da Cheungvogl, responsáveis por um escritório de Nunnmps, em Chicago, que procuraram minimizar a pegada de carbono proveniente da sua construção e preservar o estado natural do local. De um modo geral, dois terços do edifício são subterrâneos e o restante está sobre palafita.

4. Trabalhar tranquilamente rodeado de árvores

Localizado em Chuckanut Bay, em Washington, a casa do consultor Peter Frazier é um lugar tranquilo para se trabalhar e até para se viver. Aqui tudo foi pensado ao pormenor, desde o mobiliário, como mesas e cadeiras que foram feitas para garantir o maior conforto e comodidade. A casa dispõe de uma sala, cozinha, quarto e casa de banho e de uma vista irrepreensível.

5. Escritório 100% reciclado construído por estudantes

Cinco estudantes da Academia de Arte da Califórnia – Justin Ackerman, Mary Telling, Justin Hanan, Shaum Mehra e Shanay Moghbel – desenvolveram um escritório pré-fabricado, pondo à prova as suas capacidades de design e as suas preocupações com o ambiente. Com dois andares e totalmente construído com materiais reciclados, o projecto valeu-lhes a distinção do Instituto Americano de Arquitectos (AIA East Bay) pela sua aposta sustentável.

6. Edifício envidraçado que garante luz natural

Pelas suas características, a sede do Banco Europeu de Investimentos, no Luxemburgo, projectado pela empresa alemã Ingenhoven Architects, ganhou o primeiro lugar no prémio Emilio Ambasz de arquitectura sustentável para edifícios internacionais. Constituído por uma estrutura de metal com vidros em ziguezague, o edifício foi premiado devido à sua vertente ecológica, à eficiência energética e à disposição das salas que promovem a interacção e comunicação.

Como o edifício é inteiramente coberto por vidro, a luz do dia penetra por todos os ângulos. As janelas flexíveis permitem que os funcionários controlem individualmente a sua abertura, assim como a temperatura e iluminação. O edifício possui jardins de Inverno e de Verão, tendo recebido a certificação de “Muito Bom” no programa britânico BREEAM (Building Research Establishment Environmental Assessment Method).

Confira as fotos dos seis escritórios, no artigo original.

in greensavers.pt

Work From Home - Switch Conference 2011

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Este país (não) é para velhos




Os grandes desafios demográficos da actualidade estiveram em análise numa conferência realizada a 6 de Abril na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Perante a constatação de que Portugal não renova as suas gerações há 28 anos, vários especialistas nas áreas económica e demográfica defenderam a adopção urgente de medidas capazes de contrariar o impacto negativo do envelhecimento na economia nacional. Portugal apresenta actualmente um défice de 1,2 milhões de crianças e jovens e, em crise, a quebra da natalidade só pode agravar-se.

A Saúde, a Segurança Social e o mercado de trabalho, concretamente ao nível da empregabilidade, são as três áreas mais afectadas pela evolução demográfica em Portugal nas últimas décadas, concluíram os especialistas, perante as dezenas de participantes na conferência “Economia, Demografia e Sustentabilidade”, organizada pela Associação Portuguesa de Famílias Numerosas, em colaboração com o OJE. O economista Fernando Ribeiro Mendes, o ex-ministro das Finanças, Luís Campos e Cunha e o presidente do ISEG, João Duque, forma alguns dos convidados a debaterem os efeitos do (des)incentivo à natalidade em Portugal, analisando as actuais políticas locais e nacionais, face ao progressivo envelhecimento da população. Um número redondo reforçou a importância desta reflexão, muitas vezes desvalorizada por não parecer visível no curto prazo: Portugal não pratica a renovação das suas gerações há 28 anos.

Primeiro filho cada vez mais adiado
As alterações na estrutura demográfica são hoje uma questão complexa que depende de várias dinâmicas, e não apenas das três variáveis básicas: fecundidade/natalidade; mortalidade e migrações. Para Cristina Sousa Gomes e Maria Luís Rocha Pinto, docentes na área de Ciências Sociais, Jurídicas e Políticas da Universidade de Aveiro, apesar de se perspectivar um crescimento populacional nos países menos desenvolvidos, “o século XXI será de envelhecimento”. Para as duas especialistas em Demografia, “procurar evitar o declínio da população é uma questão eminentemente política”.

O maior impacto demográfico incide no género feminino, dizem, e Portugal não é excepção: as mulheres portuguesas têm vindo, progressivamente, a adiar o nascimento do primeiro filho e, de acordo com dados de 2011 do INE, a descendência média diminuiu no país de 2.99, em 1971, para 1.32 filhos por mulher, em 2009.

A partir de vários dados compilados pelo Eurostat (relativos aos 27 de UE), pelo Eurobarómetro e pelo INE, as demógrafas concluem que o emprego feminino em Portugal (20-64 anos) era superior (66.1%) ao da EU (62.5%); e que o emprego de mulheres (25-54 anos) com pelo menos um filho, no nosso país, (75.2%) ultrapassava também a média europeia (68.2%). Já o emprego feminino em part-time era inferior em Portugal (15.2%), face à UE (31.4%).

Numa análise por escalões etários, verifica-se que o emprego feminino aos 65-69 anos era, em 2009, mais elevado em Portugal (21.8% ) que na UE (7.4%); tal como aos 60-64 anos (33.8%, contra os 22.8% da UE); e aos 55-64 anos, escalão em que atingia, no nosso país, os 42.7.8%, enquanto a média europeia se situava nos 37.8%.

Note-se que o número médio de horas de trabalho semanal era também superior em Portugal (36 horas), relativamente à UE (33 horas). E que as mulheres portuguesas abandonam o mercado de trabalho, em média, mais tarde (62.3 anos) que as da UE (60.8 anos), tendo por base os dados de 2009.

Por outro lado, o apoio social a crianças até aos dois anos de idade era superior em Portugal (33%) em relação ao da EU (28%), mas esse mesmo apoio, quando atribuído a crianças desde os três anos até ao final da escolaridade obrigatória, era inferior em Portugal (78%) face à EU (83%).

Quanto a formação, o abandono feminino precoce do ensino (18-24 anos) era mais intenso em Portugal (26.1%) que na UE (12.5%); e a percentagem de mulheres, entre os trinta e os 34 anos, com nível de formação superior era significativamente menor em Portugal (24.8%) que na UE (35.7%).

Conciliar família e trabalho é essencial
Perante esta conjuntura pouco favorável, os principais motivos para os casais não desejarem ter mais filhos prendem-se com os entraves que as mulheres sentem em conseguir integrar o mercado de trabalho; com as dificuldades na conciliação família-trabalho; com os custos associados ao crescimento das crianças; e com as dificuldades relacionadas com a sua educação. Problemas de saúde, na gravidez, parto e cuidados infantis são outros factores mencionados.

É fácil perceber que à medida que a esperança de vida continua a aumentar, o envelhecimento tenderá a acentuar-se. Apesar de 2009 ter trazido “um ligeiro crescimento da fecundidade no contexto europeu, continua, globalmente longe de assegurar a substituição de gerações”, alertam as docentes da Universidade de Aveiro.

No nosso país, “as mudanças na sociedade foram rápidas e abruptas” e, em 2009, continuou a verificar-se o declínio da fecundidade, “com uma expressão diferenciada no território”.
Segundo Maria Rocha Pinto e Maria Cristina Gomes, “têm havido tentativas europeias no sentido harmonizar e incentivar as actuações dos Estados, junto da população”, mas a diversidade de realidades é acentuada, em função das políticas sociais de cada país.

Num contexto de crise que “pode criar alguma retracção” na evolução positiva da estrutura demográfica nacional, importa questionar até que ponto as medidas tomadas não são avulso e integram uma política de fundo e em que medida existe uma continuidade e articulação dessas políticas no campo social.

Considerando que a substituição de gerações está comprometida, as políticas locais a favor da natalidade são cada vez mais importantes. Mas “ainda não há noção do seu verdadeiro impacto porque tal não está estudado cientificamente”, acusam as demógrafas: “seria extremamente caro, mas era muito importante que Portugal tivesse um estudo científico sobre fecundidade, percebendo, por exemplo, o impacto das políticas já implementadas pelas autarquias, ao nível local. Mas até agora não foi possível perceber com clareza o impacto dessas medidas”, avançou Maria Rocha Pinto.

Em Portugal, e face à tendência que dita que as mulheres têm menos filhos do que os que desejariam – particularmente aquelas que não têm qualquer criança ou apenas uma -, “importa concretamente pensar na resposta aos anseios de fecundidade”. Importa ainda “compreender os padrões e tendências da fecundidade, de forma a adequar as políticas garantindo os seus efeitos, sobretudo “quando se atende às dificuldades e aos contrastes sociais que nos distanciam da média europeia”.

Portugal precisa de empreendedores
Defendendo políticas urgentes de incentivo à natalidade, o presidente do ISEG, considera que uma população envelhecida tem um perfil “menos empreendedor e menor propensão para o risco e para a inovação”. Embora contrária às necessidades do País, esta realidade requer que a sociedade se adapte, alterando as suas ofertas de consumo, por exemplo, no sector do turismo, sugere João Duque.
Por outro lado, a população mais idosa enfrenta maiores exigências ao nível da adaptação à tecnologia e “para os mais jovens haverá mais competitividade”, conclui o economista.

“Hoje estamos mais velhos e, sobretudo, mais sozinhos”, acrescenta Ribeiro Mendes, recordando os elevados índices de doença crónica e dependência que se registam no País.

Portugal construiu “direitos para o futuro que não podem ser garantidos” e tem hoje um modelo de segurança social “baseado na dívida”, que “não é sustentável: os direitos futuros dos pensionistas vão vencer algum dia e não haverá dinheiro para todos”, critica.

Sumarizando as diferentes funções que a segurança social conjuga – é “um mealheiro para poupança, é um seguro para eventualidades futuras e é um mecanismo de correcção de desigualdades”, o economista considerou que a correcção de desigualdades sociais, levada a cabo por “uma obsessão pela convergência com o salário mínimo” antes de ter sido criado o Indexante de Apoios Sociais, foi exagerada. Ribeiro Mendes defendeu mesmo que a idade mínima para a reforma poderia ser aumentada. Esta alteração, provavelmente dos actuais 65 anos para os 67 anos, deverá constituir uma das soluções para garantir a sustentabilidade do nosso sistema de segurança social, sustentou.

Sem uma “almofada colectiva para segurar o sistema de pensões”, as empresas devem reforçar o seu compromisso com a RS, dando mais benefícios sociais, disse ainda o professor universitário especialista em responsabilidade social das organizações: “temos de pedir mais compromissos às empresas em matéria de responsabilidade social”, paralelamente à participação pública, que deve ser mantida, e á responsabilidade individual, que tem de ser reforçada, defende Ribeiro Mendes.

Mas, num país que não renova as suas gerações há quase três décadas onde a população activa está necessária e progressivamente mais envelhecida, as empresas enfrentam dificuldades acrescidas “na aquisição de novos conhecimentos”, afirma, por sua vez, Luís Campos e Cunha. Para o ex-ministro das finanças, parte do défice público “está relacionado com o envelhecimento” e os reformados podiam ter um papel mais activo nas empresas. “O aumento da despesa pública na Saúde e na Segurança Social têm forte impacto nas Finanças Públicas”, recorda.

Sublinhando que os desafios da demografia se colocam a longo prazo, Campos e Cunha acredita que “a democracia está pouco preparada para lidar” com esta situação, já que “os Governos duram quatro anos, e as alterações demográficas podem demorar quarenta.” Ao contrário de antigamente, em que ao número de filhos correspondia força de trabalho na família, “hoje quer-se dar uma boa educação aos filhos e uma boa preparação para a vida”. Consequentemente, “as famílias com mais filhos são mais pobres, porque investem na educação dos filhos e estes são um encargo até aos vinte ou trinta anos”.

Jovens e idosos devem trabalhar juntos
Já para Pedro Pita Barros, professor de Economia e especialista em Economia da Saúde, “o envelhecimento não é o principal causador do aumento da despesa na Saúde”.

Na sua opinião, o principal desafio nesta área reside em encontrar respostas para as diferentes necessidades, que melhorem a utilização dos mecanismos actualmente existentes. Segundo Pita Barros, o envelhecimento explica apenas treze a quinze por cento do aumento da despesa pública com a saúde. O crescimento do rendimento médio dos portugueses nas últimas décadas e a imparável inovação tecnológica aplicada à área da medicina são os grandes drivers desse aumento da despesa. Esta teoria de Pita Barros assenta numa leitura correcta das estatísticas, que “têm servido para demonstrar que a despesa com saúde cresce a partir dos 65 anos, mas isso só acontece porque antes a esperança de vida terminava aos 65 anos e as despesas eram feitas antes dessa idade”, explica. Com o aumento da esperança de vida, “as despesas tendem a avolumar-se após essa idade, já que tradicionalmente se gasta mais nos últimos dois anos de vida”, o que significa que “apenas foram transferidas para mais tarde”.

Em todos os casos, “faltam ainda muitas respostas para um envelhecimento saudável, em que os cuidados sejam menos prestados pelos hospitais e mais pela sociedade”, adverte.
Mas não é só na saúde que é necessário reequacionar políticas. Em matéria de recursos humanos, e como sugere Rita Campos e Cunha, as empresas “têm de apostar em políticas que passam pela compatibilização entre trabalho e família, pela melhor integração entre colaboradores jovens e velhos, para transmissão de conhecimentos, e pela motivação dos mais novos, que vêem as suas expectativas de carreira afectadas pela presença dos colaboradores mais velhos até mais tarde”. Para a professora de Gestão de Recursos Humanos, é também necessário “reformular as políticas de Reforma, evitando a estagnação dos mais velhos”.

Concretamente para esta faixa etária, Rita Campos e Cunha sustenta a introdução de novos métodos de formação, de competências e de mecanismos de avaliação do desempenho nas empresas e propõe a criação de pacotes de benefícios sociais para os colaboradores mais velhos, a par da atribuição de funções menos stressantes, da flexibilização do horário de trabalho e da contratação de reformados. Para os colaboradores jovens, a especialista defende que parte do seu trabalho pode ser realizado em regime de teletrabalho ou em part-time, com horários flexíveis. Os jovens devem ter a possibilidade de coordenar as suas tarefas com as férias escolares e têm direito a baixas de parto mais flexíveis, defende ainda.

Os imigrantes são outro grupo para o qual devem ser melhoradas as políticas de apoio ao emprego, já que representam um segmento “que continuará a compensar o decréscimo natural de portugueses”, acredita Rita Campos e Cunha: a esse nível, “serão necessárias políticas de gestão da diversidade, que passam pela não discriminação salarial, pelo acesso a um emprego ajustado às competências do colaborador, por uma cultura de aceitação das diferenças e pelo apoio à integração cultural e educacional dos filhos dos colaboradores”, conclui.

A curto prazo, as empresas terão trabalhadores mais velhos e um segmento
menor de jovens adultos, enquanto a médio prazo, sofrerão mesmo “com a perda de
competências críticas e com a escassez de talento”, defende a também psicóloga. Neste contexto, a “escassez do talento mais jovem irá sentir-se” no mercado empresarial, conclui Rita Campos e Cunha.

Uma tendência que só pode ser invertida aumentando a descendência média em Portugal que, como foi referido, se cifra em apenas 1,32 filhos por mulher, em 2009. Mas desenvolver políticas de natalidade requer uma melhor conciliação entre emprego e família e a criação de incentivos para as famílias, muito concretamente na área da educação. Ou seja, implica percorrer um caminho que Portugal precisa de atravessar urgentemente mas que, em conjuntura de crise económica e social aguda, não deverá iniciar tão cedo. Comprometendo ainda mais a substituição das gerações no País.

in Portal VER

Sortelha

Por muralhas de terras que já foram municípios

O concelho do Sabugal ocupou posição de relevo na defesa das fronteiras do reino. No seu território há vários castelos em terras que já foram sede de concelho. Sortelha, Vila do Touro, Vilar Maior e Alfaiates são esses exemplos

SORTELHA, Vila do Touro, Vilar Maior e Alfaiates fazem hoje parte do vasto concelho do Sabugal. Em comum partilham uma história: todas elas foram sede de municípios. Mas há algo mais que as une num vasto abraço à história: o seu papel na defesa do reino, estando na primeira linha de embate em tempos em que as fronteiras eram instáveis em ténues geografias de receios avulsos, num território que se foi conquistando e defendendo légua a légua. E raramente sem o sacrifício das povoações da raia.

O concelho do Sabugal tem uma riquíssima história e património construído, elevando-se na raia como um dos esteios da defesa de Portugal. Raros concelhos ostentarão tantos castelos e ruínas de um tempo onde se lutou na consolidação de um país. A defesa começava aqui, por estes lugares com vista sobre terras a perder de vista, sob olhar austero destes guardiões de pedra erguidos nas alturas da raia beirã. Sortelha. Segunda-feira. Nesta tarde chuvosa, apenas um casal de turistas quebrava o silêncio. De máquina em punho, recolhia apontamentos fotográficos para memória futura. Sortelha deslumbra. E eles, os turistas, estão a ter conhecimento disso, em passo demorado e, por vezes, surpreendido. O tempo pretérito acomodou-se por aqui, neste regaço de pedra forte e sublime. Sortelha deslumbra porque guarda em si o seu tempo quase intacto. Tem uma áurea que nenhuma máquina fotográfica consegue captar. Tem o tempo que passou a passar por estas ruas.

Dentro das muralhas da aldeia vivem apenas três pessoas, "e todas de famílias diferentes", dizem-nos. Fora delas, as contas são outras, são feitas com algumas centenas de habitantes, mas não demasiadas. Esta é a mesma raia que, hoje, é das primeiras a sofrer com o desenfreado despovoamento do interior, com a saída dos seus para as cidades do litoral ou para o estrangeiro, tal como há séculos era a primeira a sofrer o embate das invasões. E não há castelo, nem muralha que sustenha estas fugas alavancadas no sonho e na necessidade.

A história de Sortelha remete-nos para o ano de 1181, para o reinado de D. Sancho I, com os primeiros esforços de repovoamento do lugar. Mas será com D. Sancho II que se dará a reforma administrativa e militar do território. Será este monarca que ordenará a construção do primeiro castelo e atribuirá o foral a Sortelha, em 1228. Ao longo dos séculos, esta aldeia contribuiu para a sedimentação da reconquista cristã dos séculos XII e XIII e para as disputas territoriais fronteiriças com os reinos de Leão e Castela na região de Riba- Côa. Nos reinados de D. Dinis, D. Fernando e de D. Manuel I, o castelo foi alvo de intervenções reconstrutivas. Já depois da restauração da independência, em 1640, uma nova rede defensiva é implementada em alguns pontos do país, baseada numa fortificação abaluartada, onde o tecido defensivo de Sortelha sofreu uma adaptação parcial das torres e muralhas às novas técnicas militares.

Sortelha guardou até 1885 o estatuto de sede de concelho. Hoje, a sua importância mede-se pelo turismo. É uma das estrelas da rede das Aldeias Históricas. Do alto dos seus 700 metros, a vista ainda alcança a ribeira do Casteleiro, a Serra da Malcata, a Cova da Beira e a Serra da Estrela. Mas dali já não vêm receios de invasões nem marchas de exércitos invasores. Só turistas, que entram por esta porta da muralha que lhes está constantemente franqueada. Hoje, todas as invasões são bem-vindas.

São essas boas-vindas que nos foram dadas em local propício: "As Boas Vindas Bar", onde Ana Maria nos recebe. Para além de turistas nacionais, a aldeia recebe hoje "muitos espanhóis e ingleses", principalmente nos períodos festivos e aos fins-de-semana. Ana Maria está a tomar conta deste bar, que é propriedade do irmão. Vive em Sortelha, mas "fora das muralhas". Todos os dias abre estas portas. Nesta velha Sortelha, vive-se "essencialmente do turismo e da agricultura", diz-nos. A aldeia já não nos defende, mas mantém intocável todo um charme que acumulou século após século, próprio de quem soube envelhecer.

A cidade do Sabugal está a 14 quilómetros. A sede de concelho é dona de um castelo imponente. Sabugal tornou-se sede de concelho em 1190, ganhando já no reinado de D. Dinis importância regional, coroando-se o castelo com uma imponente torre de menagem com as suas cinco quinas.

Segundo Rita Costa Gomes, em "Castelos da Raia - I Beira", a importância da localidade "estava muito ligada, na época medieval, à travessia do Côa por uma ponte de pedra". Deste castelo assente em local estratégico assistiu-se à entrada e saída de exércitos inimigos em Portugal, a convulsões militares que resultaram na destruição de monumentos e casario. Em torno do castelo a toponímia das ruas remete-nos para referências históricas incontornáveis: "Rua de Aljubarrota", "Rua Pedro Álvares Cabral" ou "Largo de Alcanizes". Este largo tem uma ligação estreita ao castelo que lhe está em frente. O tratado de Alcanizes foi assinado entre D. Dinis e o soberano de Leão e Castela, Fernando IV, em 1297. Neste compromisso delimitaram-se as fronteiras entre os dois reinos e em troca de direitos portugueses em domínios nos "Reinos de Leão e de Galiza", era reconhecida a Portugal a posse das chamadas terras de Riba-Côa, que compreendiam várias povoações e castelos, entre as quais, Sabugal. A dez quilómetros encontramos outra aldeia que outrora foi sede de concelho: Vila do Touro. Do velho castelo nada se vislumbra à entrada da aldeia, pelo que seguir pela rua dos Templários parece ser o melhor trilho para o passado. Chegaremos, por fim, junto à porta de arco em ogiva das muralhas. Este é dos poucos testemunhos existentes da sua antiga malha defensiva. Passando por este arco, subimos até nos darmos conta do porquê da importância geográfica de Vila do Touro na defesa das fronteiras: uma imensa vista sobre o horizonte, sobre uma vastidão de terras que tocavam as fronteiras com Castela e Leão, para geografias a perder de vista, onde o avançar de um exército jamais poderia passar desapercebido. Uma vista de surpresa e espanto, desde as ruínas da muralha de uma pequena localidade que foi sede de concelho até 1836. Atrás de nós, alargando-se para fora destas ruínas, uma povoação fundada no século XII, durante a Reconquista, tendo-lhe sido atribuído foral em 1220, durante o reinado de D. Afonso II. Mas agora, o tempo é de regresso; afastar-nos deste horizonte, de onde já se dissiparam as ameaças, receios e angústias. Hoje, as lutas são outras.


in Jornal do Fundão, por Nuno Francisco
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