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Meios "eco-friendly" começam a ser vistos como uma necessidade



Mais zonas pedonais, maior utilização da bicicleta e mais medidas de acalmia de tráfego são algumas das ações que vários municípios se têm comprometido a executar, ano após ano, no âmbito da Semana Europeia da Mobilidade. No entanto a sua concretização não é fácil e por vezes demora muitos anos a sair do papel.

Em entrevista ao SAPO Notícias, Sofia Caldeira Martins, Engª Civil Mestre em Transportes, analisou o panorama português. A especialista em mobilidade e transportes públicos comentou a atuação de Portugal neste sector, em comparação com outras cidades europeias, e identificou algumas medidas que podem ajudar a tornar o país mais sustentável.

Como vê a gestão dos transportes públicos em Portugal?

Em Portugal a gestão dos Transportes Públicos não pode ser vista fora do seu enquadramento económico. Deste modo, podemos separar o que são as políticas de transporte nas cidades e fora destas. E esta diferença não se prende apenas com a tipologia da procura, mas também com a gestão da oferta.

No caso das cidades, a gestão dos transportes públicos está muito centrada na concessão de percursos aos diferentes operadores, na definição de horários e no equilíbrio tarifário (embora os resultados das empresas não espelhem estes princípios), deixando para segundo plano a integração e a complementaridade entre estes fornecedores e os diferentes modos que gerem.

Esta realidade leva a que, numa base de sobrevivência financeira, os vários operadores centrem os seus serviços nos eixos de maior procura, concretamente nas linhas radiais de acesso aos centros, esquecendo que essas terão de ser alimentadas e que cada vez mais existem importantes deslocações transversais, já que polos habitacionais e de emprego tendem a concentrar-se fora dos limites da cidade. Apesar disto, é frequente ter de se entrar na cidade para se encontrar uma resposta eficaz para este tipo de deslocações.

O elevado número de diferentes títulos de transporte e a sua complicada integração penalizam muito a adesão aos transportes públicos. Também o número de transbordos, muitas vezes descoordenados, a efetuar, especialmente se estivermos a falar em linhas de média/baixa frequência, em que o tempo de espera pode facilmente atingir os 30 minutos ou mais, constitui uma fator dissuasor para um utilizador regular que disponha de alternativa economicamente acessível. Uma vez mais a questão da coordenação/ articulação, neste caso tarifária e de horários.

Fora das cidades, e no extremo mais oposto, o meio rural, a gestão é feita apenas (e infelizmente) com base em fatores economicistas, já que não existe, na maioria das vezes, procura regular e suficiente para viabilizar uma linha de Transportes Públicos dita “normal”, com percursos, horários e paragens previamente definidos. E é economicista porque o Estado não tem dedicado atenção suficiente a esta matéria. Todos compreendemos que os operadores privados não têm obrigação – a menos que corresponda a uma contrapartida estabelecida num contrato – de financiar a mobilidade em meio rural.

Nestes casos a solução passaria pela flexibilização da oferta, onde o leque é vasto, desde os transportes a pedido, aos sistemas de boleias organizadas, às ofertas de cariz social - geridas pela comunidade com recurso a fundos estatais de apoio social -, à complementaridade com os serviços de transporte existentes, como seja o transporte escolar, distribuição postal, etc... Estas soluções têm provado ser a resposta para o problema da carência em meios rurais um pouco por toda a Europa, com exemplos muito bem-sucedidos na aplicação de todas estas soluções. Há experiências de sucesso comprovado que podem ser estudadas e ajustadas às várias realidades que encontramos em Portugal.
Em Portugal também já podemos contar com alguns casos de sucesso, como sejam Beja, onde táxis partilhados se substituem, de forma organizada e com percursos e tarifas predefinidas, aos autocarros nos dias de menor procura (tipicamente fins de semana), evitando o funcionamento em vazio e os gastos a ele associados. Mas este é um exemplo numa cidade. Em espaço rural, as soluções de sucesso encontradas não são ainda relevantes.

A minha perceção é de que as soluções para os problemas da gestão dos transportes fora dos meios urbanos, existem, mas há uma grande inércia e falta de motivação para a sua concretização em Portugal. A solução terá forçosamente de passar pela agilização burocrática e pela identificação dos diversos atores e a respetiva atribuição de responsabilidades e competências. Tive conhecimento informal de diversos agentes económicos interessados em gerar soluções para este tipo de problemas, mas que tipicamente esbarram no vazio legislativo e na falta de voluntarismo do poder político – aos vários níveis – para apoiar o seu esforço e convergirem em conjunto para soluções concretas.

Em resumo, tudo gira à volta de apostar numa política de complementaridade, nas suas várias vertentes.

Portugal deveria apostar mais em meios “amigos do ambiente”? Em termos de custos e de capacidade para concretizar esta aposta, é viável?
Já foi visto como moda e agora começa a ser visto mesmo como uma necessidade. Para Portugal acompanhar as diretivas e tendências europeias e alcançar as metas energéticas a que se comprometeu terá mesmo de o fazer, e apostar seriamente em meios mais eficientes e mais eco-friendly.

Já na capacidade de concretização e de custos, tudo depende do que estivermos a falar. A maioria dos modos de transporte mais “amigos do ambiente” não tem qualquer custo adicional. Vejamos os modos suaves, como o andar a pé ou de bicicleta, que até pode ser elétrica que continua a ser energeticamente mais eficiente do que o automóvel. Para esta transição o essencial é “arrumar” as coisas: criar condições à circulação, quer seja com a construção de ciclovias - contínuas e com regras de prioridade inequívocas; uma ciclovia que liga nada a sítio nenhum não pode ser encarada como alternativa, antes como um percurso lúdico -, quer com a definição de uma rede pedonal também contínua, que não obrigue o peão a fazer gincanas nem a ultrapassar obstáculos nas suas deslocações (estacionamento abusivo, mobiliário urbano mal localizado, lancis demasiado elevados, etc...).

Se, por outro lado, nos referirmos a uma aposta forte na renovação de frotas, já será algo mais oneroso e acredito que não poderá ser considerado do dia para a noite. É algo que deverá ser faseado e muito bem estruturado, já que tipicamente é um investimento bastante elevado que só por si não representa qualquer aumento de receitas, ou seja, não verá associado um retorno financeiro direto ao nível exclusivo das receitas. Não há nenhuma evidência que a procura aumente por se passar a usar biodiesel em vez de gasóleo, por exemplo. Nestes casos os incentivos e os apoios comunitários são essenciais e deverão ser muito bem aproveitados. Uma externalidade positiva deste investimento, para além da redução das emissões, seria a redução das importações de combustíveis fósseis.

Portugal está preparado para dar aos utentes bons meios alternativos?

Economicamente, e dada a fase que atravessamos, diria que não. Mas acho que é precisamente aqui que temos oportunidade de mostrar as nossas capacidades. Se somos conhecidos por ser “desenrascados”, custa-me um bocado que seja este o fator determinante que nos impede de concretizar projetos. Digo isto, e sem qualquer visão romântica da realidade, apenas no sentido prático de que se há tanta coisa onde mexer para concretizar estas mudanças, podemos começar por aquelas que não envolvem custos, pelo menos de forma direta, mas que podem gerar externalidades económicas positivas.

Podemos focar-nos, por exemplo, na intervenção ao nível das mentalidades e da cultura de deslocação, que além de não ser fácil é bastante demorada. Bastante mais do que a construção de qualquer infraestrutura.

Ao nível dos transportes as grandes variáveis são o tempo e o custo associado às deslocações. E é precisamente nestas variáveis que temos de intervir, já que até agora a associação é feita sempre na dicotomia “menos tempo de deslocação = maior custo de utilização”. Ora isto não tem de ser verdade nas deslocações urbanas, por exemplo, e que representam uma grande percentagem das deslocações diárias e regulares em Portugal. Com o congestionamento crescente que se verifica dentro dos centros urbanos, não é estranho termos menores tempos de deslocação associados aos modos suaves, nomeadamente a pé e de bicicleta, do que ao automóvel, sendo naturalmente menores os custos associados.
Aqui é perfeitamente enquadrável a promoção do “andar a pé” e da utilização da bicicleta como forma de deslocação cada vez mais banalizada. Ora se já estivermos alerta para esta mudança e com vontade de a viabilizar, será um bom chamariz para a aposta num investimento na sua concretização.


O processo inverso pode até ser prejudicial e um desperdício de recursos. Há casos de ciclovias inutilizadas e abandonadas, onde foram gastos recursos para a sua construção. Ou seja, é importante estudar e experimentar onde é que estes investimentos podem ter sucesso antes de se investir nelas. Nós funcionamos melhor se recebermos as coisas depois de termos demonstrado que precisamos delas. Importa mudar radicalmente as abordagens a estes investimentos. A era das avaliações qualitativas e das evidências empíricas na funadamentação das opções de investimento terminou no enquadramento atual. É pena que tenha sido só agora, pois já podíamos dispor de outro tipo de infraestruturas se não tivéssemos desperdiçado recursos em investimentos que se revelaram inúteis.

Quais seriam as melhores soluções para diminuir o número de carros nas cidades portuguesas?

Na minha opinião dever-se-ia apostar na promoção dos modos suaves e da utilização do Transporte Público, o que passa por investir nas medidas referidas nas respostas anteriores.

Por exemplo, há muitos pais que utilizam o carro nas suas deslocações diárias, tendo essa opção sido exclusivamente condicionada pela necessidade de deixar os filhos na escola. Eliminando esta necessidade, nomeadamente através de esquemas de transporte escolar - como o pedi-bus, por exemplo – não teriam dificuldade em utilizar os Transportes Públicos ou em fazer uso de esquemas de car sharing, mais difícil se incluirmos estas escalas nas escolas.
Há ainda opções estruturantes como a acessibilidade às escolas públicas e privadas em Transporte Público. Dou um exemplo nacional muito interessante: a opção pela localização de uma escola infantil no interface de transportes do Pragal – onde coabitam vários modos de transporte: combóio, metro de superfície, autocarro e um grande parque de estacionamento automóvel - que aí funciona já há vários anos. Esta é uma forma de tentar garantir que os filhos estão sempre no percurso casa-trabalho dos seus pais.

Porque não um programa eco-escola, à semelhança do e-escola, só que em vez de se darem computadores se dariam bicicletas e/ou títulos de transporte público? Esta medida poderia ser ponderada mesmo no enquadramento de emergência económica em que vivemos, atendendo a que os valores correspondentes aos “subsídios” associados aos títulos oferecidos ou vendidos, poderiam ser compensados pela redução das importações de combustíveis fósseis. Também aqui, é fazer as contas porque pode efetivamente compensar no curto prazo.

Naturalmente que existem viagens que terão sempre, e por motivos vários, de se realizar em automóvel. Nestes casos, a partilha do veículo por vários utilizadores é talvez a forma mais eficaz e simples de o fazer, exigindo apenas uma boa coordenação entre os intervenientes.


Ao nível das rotinas diárias, a complementaridade de usos permite minorar o número de viagens, já que atua na não-necessidade de utilização do automóvel nas deslocações ditas primárias, como escola-trabalho-compras. A flexibilização dos horários de trabalho, e dos horários de abertura do comércio, será sempre uma forma de descongestionamento, apesar de não significar necessariamente uma redução efetiva do número de veículos, mas da sua utilização. Mas estas são medidas a tomar fora do campo da mobilidade, mas que nela se refletem de forma inequívoca, uma vez que a mobilidade é sempre uma necessidade derivada.

Como vê o posicionamento de Portugal em relação às outras cidades europeias, em termos de infraestruturas necessárias à existência de, por exemplo, mais carros elétricos, mais espaço para bicicletas, mais e melhores espaços para peões nas ruas?

A Europa tem muitos bons e maus exemplos, atenção. Mas em relação às cidades que devemos considerar como modelo e tomar como exemplo, estamos ainda numa posição muito pueril. Mas isso tem muito a ver com a falta de tradição e de cultura na abordagem dos temas relacionados com o ambiente e com a sustentabilidade. Acho que, para além de ser uma questão económica, é uma questão de prioridades. Portugal ainda não está suficientemente alerta para esta necessidade enquanto verdadeiramente prioritária, mas está certamente a caminhar para isso. E a um muito bom ritmo.
Se olharmos hoje para as nossas cidades, vemos centros urbanos com vias e áreas exclusivamente pedonais, assim como redes, ainda que modestas, de ciclovias. E o facto de ambas as infraestruturas estarem em crescimento é um sinal que estamos no bom caminho.

É igualmente importante não se cair no exagero injustificado, mas isso é outro assunto.

Em relação aos carros elétricos será a necessidade a ditar a concretização, ou seja, atempadamente a proliferação dos veículos elétricos imporá uma rede de abastecimento mais difusa. No entanto, e neste momento, não é por ausência de uma infraestrutura básica de abastecimento que não aumenta a importância deste tipo de propulsão na frota automóvel particular. Houve já um investimento com alguma expressão nestas infraestruturas, em particular nas grandes cidades, que todos já estamos a pagar. Há que o rentabilizar.

Olhando para os hábitos da população portuguesa (que usa muito o carro como principal meio de transporte), acha que é possível mudar mentalidades?

Muito honestamente, acho que não só é possível, como acho que os portugueses estão desejosos que isso aconteça. Basta saber como “embrulhar as coisas”. Valorizar acima de tudo os benefícios e apostar muito numa boa promoção da tão desejada mudança de hábitos.

Como já referi, penso que neste campo a crise económica que atravessamos deve ser encarada como uma oportunidade ímpar, já que uma das grandes vantagens da transferência modal para os modos ditos mais “amigos do ambiente” é precisamente a económica. Seria excelente conseguir tirar alguns proveitos desta situação menos boa e gerar externalidades positivas. Até porque estas permaneceriam, e essa seria um dos bons legados deste período.

Fala-se muito nas “cidades do futuro” mais sustentáveis mas ser sustentável é mais do que ser ecológico. Tendo em conta o seu trabalho e o tema da mobilidade, como define a “cidade do futuro”?

A cidade do futuro é aquela que é composta por cidadãos do futuro. E os cidadãos do futuro são pessoas cada vez mais alertas para as questões ambientais e de sustentabilidade, quanto mais não seja pela sua relação com a poupança de recursos, nomeadamente os naturais (ambientais e energéticos) e financeiros.

Para mim, a cidade do futuro verá o uso do automóvel como uma forma de deslocação esporádica e necessária apenas para viagens de média distância e para necessidades especiais, apostará na proximidade dos ciclos de vida diários – casa-trabalho-escola-compras - de modo a que as pessoas possam satisfazer as suas necessidades básicas sem ter de recorrer ao automóvel e, finalmente, uma cidade que investirá mais no incentivo ao uso dos modos suaves e dos transportes públicos, mais do que na construção de infraestruturas.

Estas características juntas permitirão acabar com algo que é uma triste imagem do que é a circulação automóvel em Portugal, que é o facto de o maior inimigo do ciclista e do peão ser o condutor do veículo automóvel. Muitos ciclistas ocasionais apontam a falta de segurança e o medo dos automobilistas como principal causa para a não adoção da bicicleta como meio de deslocação regular. Para além disso importa rapidamente tornar obsoleta a tristemente célebre classificação de peão: “um condutor a quem foi amputado o veículo”.

Este é um dos muitos exemplos do que falta fazer na caminhada para uma mobilidade mais sustentável, e que é algo que não tem exclusivamente a ver com investimentos numa primeira fase, mas sim com educação e consciência social, na sua aplicação à mobilidade. Se formos capazes de o reconhecer e por em prática, significa que já apanhámos o comboio da sustentabilidade, só falta agora levá-lo a bom porto, ou melhor à boa estação.

@SAPO
*Este artigo foi escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.*
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